Uma turma do jardim

quarta-feira, junho 14, 2006

Satya or the non-violent speech

Finalmente alguns devaneios sobre Satya, o Yama que escolhi. No início atravessou-me o espírito que dizer a verdade ou viver em Satya consistisse obviamente numa atitude perante os outros de total honestidade o que por si só já daria pano para mangas. Depois ocorreu-me que pode acontecer dizerem-se coisas por verdades que são apenas mentiras repetidas infinitas vezes de nós para nós mesmos, e aí as coisas ainda dariam mais texto. Na verdade é preciso alguma mestria para não cair na tentação de nos convencermos de uma coisa que não é exactamente verdade mas que por alguma razão nos facilita a vida. A escolha deste Yama não foi aleatória; na verdade ao longo dos últimos anos tenho tido nítida consciência do meu percurso “nas escolhas das verdades ou não verdades”. Já cometi erros e fingi que não cometi, numa atitude de negação dos meus próprios actos; o desempenho era tão bom que acreditei que nada realmente se tinha passado! Quantas são as pessoas transparentes? As que mostram a verdade nua daquilo que são? Mas inevitavelmente um dia, tudo vem inconvenientemente à tona… “Podes-te esconder, mas não podes fugir”.
Mas o assunto vai muito mais longe... Ao afirmarmos algo como uma verdade categórica não estamos a viver em satya porque incorremos no risco de estarmos a julgar. Na verdade apenas podemos dizer aquilo em que acreditamos ser verdade e que no fundo não passam das nossas opiniões. Patanjali remete satya para uma atitude de discurso, ou seja, tudo se prende com a maneira como se dizem as coisas. Dizer esta “verdade” está umbilicalmente ligado ao 1º Yama, pois, e citando, “nenhumas palavras podem reflectir verdade se não fluirem de um espírito de não-violência”. Assim, a definição de Satya como um discurso de não-violência, parece-me a mim que abraça todos os pontos fundamentais: evitar a agressão nas palavras é primeiro não julgar, ter a humildade de entender que há outros pontos de vista para além dos nossos e que não há verdades universais e só depois emitir então as opiniões como observações; evitar a agressão das palavras é ainda construir um discurso para a bondade, pois não basta sermos verdadeiros, precisamos ponderar se aquilo que vamos dizer é construtivo, vai ajudar alguém ou se é útil de algum modo.
Enfim Satya é a atitude de assumir a verdade para nós mesmos e de usar as palavras de um modo construtivo para os outros. Ouvi algures que se deve meditar antes de pensar e pensar antes de falar para se usar sabiamente a palavra. Finalmente o “filtro triplo” de Sócrates para sublinhar a ideia:

Triple filter test

In ancient Greece, Socrates was reputed to hold knowledge in high esteem. One day an acquaintance met the great philosopher and said, "Do you know what I just heard about your friend?"
"Hold on a minute," Socrates replied. "Before telling me anything I'd like you to pass a little test. It's called the Triple Filter Test."
"Triple filter?"
"That's right," Socrates continued. "Before you talk to me about my friend, it might be a good idea to take a moment and filter what you're going to say. That's why I call it the triple filter test.
The first filter is Truth. Have you made absolutely sure that what you are about to tell me is true?"
"No," the man said, "actually I just heard about it and..."
"All right," said Socrates. "So you don't really know if it's true or not. Now let's try the second filter, the filter of goodness. Is what you are about to tell me about my friend something good?"
"No, on the contrary..."
"So," Socrates continued, "you want to tell me something bad about him, but you're not certain it's true. You may still pass the test though, because there's one filter left: the filter of usefulness. Is what you want to tell me about my friend going to be useful to me?"
"No, not really."
"Well," concluded Socrates, "if what you want to tell me is neither true nor good nor even useful, why tell it to me at all?"

4 Comments:

  • :) obrigada por esta meditação

    By Blogger wm, at 15/6/06 01:38  

  • Acho que o que escreveste é verdade, é bom e é útil!

    Mas fiquei cheio de questões. Para Patanjali existe qq coisa que é a nossa verdadeira essência, o purusha. Aquele que é neutro e só observa, quando meditamos. Sempre existiu, é imutável e sempre vai existir. O corpo e mente é só uma espécie de veículo que temos que manter puro para a informação chegar clara ao purusha, qq coisa assim. Assim é simples, a verdade é o purusha.

    Do ponto de vista ateísta do budismo, tal coisa imutável não existe. O que é a verdade então? A selva de opiniões situa-se ao nível dos egos. Uma motivação autêntica para desenvolver altruísmo e bondade é mais importante, e algo mais profundamente nosso que as opiniões.

    O essencial é que não há verdades absolutas, entendi, mas acho que a minha questão é: existe a nossa verdade? Ou há apenas um potencial para um estado de tranquilidade, sabedoria e amor que podemos optar por desenvolver? Meditando, e mesmo imaginando, visualizando esse estado. Obviamente conscientes que não foi atingido e que pensamentos e emoções negativas ainda surgem.

    De certa forma vai dar no mesmo, é acreditar num eu autentico que existe e temos que descobrir, ou acreditar que num estado de
    sabedoria, compaixão e pureza que é possível atingir...

    Há aquela ideia budista parecida: se não podes dizer algo que seja benéfico para alguém, mais vale manter nobre silêncio.

    By Blogger Imhotep, at 15/6/06 09:37  

  • Não, não acredito que haja um purusha ou se quer uma essência verdadeira em cada um, acho que como alguém me disse um dia somos só um saco de ossos, carne e órgãos sem nada a que possamos atribuir a característica de imutável e definitivo. As "nossas verdades" são as coisas que pensamos como certas a cada momento e que mudam ao ritmo a que mudam tb as reacções químicas a que chamamos pensamentos!! Desculpem a visão tão gélida da coisa, mas com isto não quero diminuir a importância dessas "nossas verdades" pois permanentes ou não são elas o nosso motor e delas depende o nosso rumo e o bem ou não que fazemos aos outros e ao mundo!!
    Beijos a todos e obrigada pelo serão de ontem!!!

    By Blogger Surya, at 16/6/06 17:39  

  • Hum, a impermanência também é a minha forma preferida de ver as coisas, mas o buda não veio cá depois do patanjali? :-)
    Tou a brincar, nós ainda viemos mais tarde.

    Eu acrescentaria que apesar da impermanência, podemos evoluir, melhorar as nossas verdades, que há uma certa continuidade, seja "crescimento espiritual". Ficar mais pacientes, mais atentos, tranquilos, altruístas e felizes é algo ao nosso alcance. É essa a ideia do yoga ou dos Yamas e Nyamas não é?

    By Blogger Imhotep, at 17/6/06 15:54  

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